quinta-feira, 17 de março de 2011

NOTA DE FALECIMENTO/COM GRANDE PESAR(RESPEITO, GRATIDÃO)



NOTA DE FALECIMENTO COM PESAR-Faleceu nesta Madrugada João Américo Peret."O ESPIRITO FALA POR SI". GRATIDÃO RESPEITO E NOSSO MAIS PROFUNDO SENTIMENTO À PARENTES, IRMÃOS, AMIGOS. COM CERTEZA UMA FAMILIA INFINITA "PERET"! ONTEM ,HOJE E SEMPRE!

João Américo Peret trabalhou na equipe de sertanistas do SPI/Funai (1950-70), conviveu com o Marechal Rondon e foi discípulo de Malcher, Heloisa Torres e Eduardo Galvão. Colaborador de vários antropólogos em pesquisa nas aldeias indígenas, o carioca João Américo Peret foi colega e conviveu com os sertanistas irmãos Villas Boas, Francisco Meirelles e Gilberto Pinto. Realizou contatos com índios isolados e teve ativa participação na vida de milhares de índios brasileiros, ao criar postos de assistência e indicar áreas que deveriam ser convertidas em Reservas Indígenas. Em 1968 encontrou a “Expedição Calleri”, então desaparecida no Amazonas. Realizou inquéritos, sindicâncias e pesquisas nas aldeias visando melhorar a administração e assistência aos índios. Esteve no Monte Roraima e nas malocas de Raposa e Serra do Sol em Roraima. Após deixar a Funai continuou auxiliando os índios com projetos voltados às suas aldeias. É arqueólogo, escritor, jornalista, acadêmico, roteirista cinematográfico, fotógrafo. Participou da exposição “500 anos de Brasil” no exterior e criou uma ilustração para a moeda de prata comemorativa de cinco reais e para a cédula de dez reais de plástico, cuja imagem traz ilustração de um índio. Ao lado do também legendário Darcy Ribeiro, participou da criação do Museu do índio e da criação da “Comissão Pró-índio, no Rio de Janeiro, onde reside. Atualmente, João Américo Peret participa do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), organização voltada às questões indígenas e problemas de fronteiras. Peret escreveu um artigo com exclusividade para Via Fanzine, intitulado, "Massacre: Raposa Serra do Sol", que pode ser lido clicando aqui.

PARTE 1
VF: Amigo Peret, nos conte como e quando se iniciou o seu trabalho com os índios?
JAP: Acho que havia um chamamento, “ajudar os indígenas”, no subconsciente. Meu tio Alípio Bandeira, era oficial do Exército e companheiro de Rondon na demarcação de fronteira. Ele organizou a primeira legislação de proteção aos índios no Brasil, em 1910, quando criaram o SPI (posteriormente, FUNAI). Outros parentes o acompanharam até chegar minha vez.

VF: Como sertanista do SPI, o senhor trabalhou de 1950 a 1970. Por favor, nos fale dessa época.
JAP: Na realidade, era a re-descoberta do Brasil. Às vezes abríamos as trilhas para chegar às aldeias indígenas da Amazônia, para dar assistência aos índios. Por vezes, o isolamento era tal que faltavam recursos e sobrevivíamos de caça e pesca, como os índios. Fiz contatos com índios isolados que eram atacados por aventureiros em busca de ouro ou a mando de latifundiários; criava uma Reserva Indígena e Posto de Assistência. E ia recomeçar o mesmíssimo trabalho onde surgiam novos conflitos.

VF: O amigo conheceu pessoalmente o marechal Cândido Rondon, que realizou um extenso trabalho indigenista na Amazônia. Rondon é criticado por alguns e admirado por outros. O que o senhor pode nos dizer sobre esta figura que se perpetuou na história do índio no Brasil?
JAP: Fui levado à sala do marechal Rondon, pelo Dr. Gama Malcher, diretor que me contratou para o SPI. Rondon apertou minha mão e disse: “Se o jovem é da estirpe do seu tio coronel Alípio Bandeira, que trabalhou comigo na Comissão de Fronteiras, tenho certeza que vai continuar o nosso trabalho pela causa indígena”. Rondon lembrava um velho morubixaba, empertigado, segurava a bengala com castão de prata, como fazem os chefes indígenas nos rituais. Era um patriota que deu tudo de si pela causa indígena. Detratores, quem não os tem?

VF: Em suas andanças pela floresta o senhor deve ter passado por muitos momentos curiosos e únicos. Por favor, nos relembre um fato curioso que o senhor vivenciou na Amazônia.
JAP: Meu aconchego era encontrado nas aldeias indígenas. Para as crianças karajá, tornei-me lenda: O amigo da Cobra Grande: A Aldeia de Santa Isabel do Morro, era no barranco do rio Araguaia na ilha do Bananal. Às vezes eu embarcava numa canoa e subia o rio no remanso beirando o barranco, e quem estava lá em cima, não me via passar. Bem distante, me dirigia para o largo e alagava a canoa: de madeira leve, ela ficava meio submersa, e eu continuava sentado com água na altura do peito, descia a corredeira fingindo que remava sobre as águas. As crianças falavam para a mãe: - Diahina (meu nome tribal) virou pajé, amansou a ‘cobra grande’; Será que ele ficou perigoso?... As mães ficavam rindo... e nada fizeram para desfazer o engano.

VF: O que o senhor Márcio Meira, presidente da Funai pode fazer para salvaguardar os direitos, a cultura e as riquezas naturais dos povos indígenas?
JAP: Pouco sei do Sr. Márcio Meira, consta que é bibliotecário do Museu Emílio Goeldi, PA. A imprensa divulgou que o presidente da FUNAI achava bom ter as ONG’s, e Missões Religiosas na sua administração. Qual é o general que divide o comando... Lembro o dito popular: “panela em que todos mexem...”.



VF: Temos visto esta crise no estado de Roraima, onde o governo deseja a retirada dos povos não índios da floresta, os quais se recusam a sair, de uma área federal reservada aos indígenas. Como o senhor analisa este impasse e qual seria sua solução?
JAP: Conheço Roraima, vários grupos indígenas inclusive Raposa/Serra do Sol. Um dia o Governador Othomar Pinto veio me pedir um projeto para essa região... Ficou nas intenções. A região é uma das últimas províncias de minérios nobres e estratégicos do planeta, quase intocável. Os índios são “marionetes” com operadores, inclusive, internacionais. Quanto à retirada dos não índios, a maioria destes tem laço de parentesco ou amizade com os índios. Como vão aceitar que lhe retirem o avô? O pai? O tio? O primo? O compadre? O índio é muito ligado aos parentes. Também, não existe unanimidade das lideranças indígenas quanto à demarcação contínua ou em ilhas da região Raposa/Serra do Sol. Também há o problema de Área Livre Comércio (ALC) uma “Zona Franca” de comércio exterior livre de impostos. E as lideranças discutem divisões de benefícios...

VF: Diversos críticos da situação em Roraima denunciam abusos e atos autoritários supostamente praticados por um padre italiano que atua naquela região, pretensamente em favor dos povos indígenas. Há também denúncias de que este padre estaria envolvido com a exploração de ouro e diamantes naquela região. Como o senhor vê tais críticas?
JAP: Credo!... O amigo Pepe me jogou contra a parede. Viu na tevê o Jornal Nacional de quinta feira (21/05), eles mostraram um cara do CIMI, e um padre que, estariam armando os índios para discutirem com o pessoal do governo, a construção da hidrelétrica? Fiquei sabendo que em Roraima existem muitas máfias, tipo “camaleão”, disfarçados de missionários e ONG’s estrangeiras.

VF: Sabemos também das ações de algumas ONGs estrangeiras que atuam na região amazônica e que passaram a se envolver intimamente com assuntos de interesse exclusivamente nacional relacionados à floresta, seus povos e suas riquezas. Para o senhor, são legítimos estes envolvimentos de estrangeiros com assuntos nacionais da maior importância?
JAP: Sou brasileiro!... Com muita honra!... Não sou fascinado por dinheiro. Não entregaria minha casa para outro administrar... Já imaginou: 300 mil Ong’s e o governo dividindo o dinheiro destinado a assistência aos índios? Se contarmos direitinho cada ONG cuidaria de dois índios... E calculando por baixo a estrutura de uma ONG, multiplicaríamos 300.000 x 8/10 indivíduos = 3.000.000 (três milhões de guardiões para os índios) somando o pessoal do CIMI e outros missionários em cada aldeia deste imenso, e maravilhoso Brasil: - “deitado eternamente em berço esplendido...”.

VF: Amigo Peret, todo o povo brasileiro passa por uma indagação sobre os últimos acontecimentos nas fronteiras, o “olho gordo” de estrangeiros sobre a Amazônia, a situação dos índios e os conflitos. Tudo isso aponta para a falta de ação da Funai?
JAP: Bem, o SPI entre os anos 1963 a 67 e 70, realizou uma pesquisa em todas as aldeias indígenas para ver como andava a assistência aos índios. Foi realizado um inquérito administrativo e funcionários relapsos foram punidos. O órgão foi adequado para ser a Fundação Nacional do Índio – Funai. Mas quase sucumbiu sob as pressões de poderosas “Forças ocultas” que anistiaram os “caçados por corrupção” e os colocou de volta às funções e ai danou-se... E sob novas denúncias juntamente com seus protetores, conseguiram “aposentar” os incorruptíveis seguidores da política de Rondon. Os índios já não sabem se são tutelados do governo - Funai, missões religiosas, ONG’s, na maioria com sotaque estrangeiro. “Panela que muitos mexem...”. Ontem estive no encontro de mais de uma centena de universitários com 25 índios escritores. Um deles levantou a hipótese sui generis de formarem uma unidade multicultural como “Fronteira Viva”. E o Álvaro Tukano disse que só a Funai é parceira dos índios. Diante dessa espécie de lealdade às instituições e ao Brasil, fiquei arrepiado. Pepe, eu aproveito para dizer que me considero “carioca honorário”. Mas sou de Rio Branco, Estado do Acre, do signo de virgem. Vou chegar aos 100 anos, falta um pouquinho assim... A cabeça é bem arejada com nuances das culturas indígenas. Não revelo segredos mais íntimos, para os japoneses não patenteá-los...

VF: A cobiça internacional pela região amazônica é evidente. Al Gore e outros políticos do exterior, teimam em afirmar que a Amazônia não pertence aos países que ela abrange, mas sim, a toda humanidade. Até que ponto este pensamento infringe a soberania do Brasil e dos países vizinhos?
JAP: Al Gore & G-7 são fantasiosos, mas chegaram tarde para repetir Portugal e Espanha do Século XV. “No período de D. João (II), quando os reis de Portugal e Espanha assinaram o tratado em Tordesilhas (7.05.1494) acertando o seguinte: “Por este documento, Portugal e Espanha repartiram o mundo entre si...”. Naquele tempo foi um tiro no escuro, baseado em histórias fantásticas que diziam existir: “Paraísos Imaginários” - cidades construídas com ouro; serras que jorravam prata; um cacique que se “banhava” com ouro em pó”; florestas e especiarias de valor incalculáveis. Descobriram as Américas e Portugal, na escalada de descobrimento e conquista alongou as fronteiras que por pouco não atingiu o Pacífico. E, como “paga”, pelo mal que praticaram destruindo os povos nativos, e as riquezas que levaram, nos deixaram como legítimos herdeiros, um quinhão chamado Brasil. A Cobiça internacional é justificável. A Amazônia é uma sedução, uma Deusa Afrodite gigantesca, cujo corpo curvilíneo é composto de minérios valiosíssimos e o sangue nas artérias é de nobreza petrolífera. Tem epiderme amaciada pela vegetação exuberante e flutua entremeada por águas frescas e cristalinas. A Amazônia pertenceria à humanidade, se os países ricos ao invés de cobiçá-la para despojá-la, pagassem aos países que limitam a Amazônia, para que usassem seus recursos naturais, mas a preservassem possibilitando a descoberta de seu potencial em beneficio da melhor qualidade de vida no planeta.

VF: O que representa a Amazônia atualmente, para o Brasil e o mundo?
JAP: Para o Brasil, é o futuro “descendo pelo ralo”, mais pela responsabilidade e ganância de uns poucos, que por falta de competência e interesse da maioria dos brasileiros. Penso que os países que destruíram seu meio-ambiente, consumiram suas reservas naturais, massacraram os povos nativos e vivem de guerras, de rapinagem para se manterem ricos. Os países “ricos” lutarão para nos surrupiar a Amazônia. Temos que defendê-la, impedindo, inclusive, que ela seja loteada e levada de forma subjetiva. Precisamos exorcizar os brasileiros gananciosos e irresponsáveis do poder.

VF: Voltemos ao ano de 1968, quando o senhor encontrou a chamada “Expedição Calleri”, desaparecida no Amazonas. Por favor, nos fale um pouco dessa busca na selva e da sua experiência.
JAP: Expedição Giovanni Calleri composta de sete homens, duas mulheres e o padre, desapareceram na densa floresta Amazônica. Manaus virou um pandemônio, porque sua população é muito religiosa. O DERAM era o responsável pelo apoio logístico e sobrevoava as aldeias sem encontrar nenhum sinal da expedição, desde que o rádio silenciou... O PARA-SAR da FAB iniciou as buscas primeiro com avião, depois com helicópteros. Depois de 20 dias, o Ministério do Interior exigia providências da Funai. E o Itamarati queria saber do paradeiro do padre italiano. O Gilberto Pinto, sertanista da Funai, se negava, em participar, das buscas porque havia sido retirado da função de pacificar os waimiri-atroari, logo após o primeiro contato amistoso, para colocarem o padre Calleri, por questões políticas... Como sertanista da região Amazônica, a Funai mandou-me que fosse ajudar o PARA-SAR, nas buscas. Na segunda descida na área indígena, encontrei os vestígios de massacre; na quarta descida encontrei restos mortais de três integrantes: de uma mulher, de um trabalhador, e do padre Calleri. Mas só encontrei, porque segui pistas deixadas pelos índios.

VF: Os índios escritores estão reunidos no Rio de Janeiro, isso significa que já estão aculturados? O que o senhor acha desse encontro?
JAP: Este é o V.º Encontro de autores indígenas, e o X.º - Salão de Livros para Crianças e Jovens, realizado no MAM – Museu de Arte Moderna. Na ocasião, crianças de muitas escolas participam de recreação: teatrinhos, contação de histórias, brincadeiras e conhecem índios de verdade. Neste encontro compareceram 25 índios escritores, sob a coordenação de Daniel Mundurucu, que é Presidente do Comitê Intertribal, e diretor do Memorial dos Povos Indígenas do Brasil, tem 35 títulos com várias edições publicadas. É interessante ouvir cada escritor falar de sua etnia e localização, da formação profissional: professor bilíngüe, artista plástico, ilustrador, poeta, contador de história. São unânimes em afirmar: “os velhos são livros de memória oral. E agora eles ficam surpresos ao escutar os mais jovens lendo as histórias antigas que contam”. É que antigamente, dizem: “os pesquisadores não indígenas escreviam o que escutavam em português, e nem sempre nosso parente falava corretamente. E, a história ficava deturpada”. Isso deixa claro que o índio não perde a sua cultura, na verdade, ele vai se tornando poliglota.

VF: Bem, nossos leitores querem saber: O jornalista alemão Karl Brugger, narra no livro “A Crônica de Akakor” que conheceu na Amazônia, o índio Tatunca Nara, em 1972. E este lhe contou as histórias incríveis que são temas do seu livro. No relato de Tatunca Nara, seres celestiais desceram em naves douradas e fundaram três fortalezas, Akanis, Akakor e Akahim, na região do alto Rio Negro. O senhor sabe algo a respeito?
JAP: Conheci o “índio” Tatunca Nara, em 1979, na cachoeira da Aliança, do Rio Padauiri, afluente esquerdo do Rio Negro (AM). Gravei em fita cassete sobre suas histórias rocambolescas. Sobre pirâmides e cidades subterrâneas, monges espaciais, equipamento de comunicação intergaláctico. Ele dizia que seu pai seria um sacerdote Inca que atacou um convento e raptou uma freira alemã, que é sua mãe, cresceu como príncipe numas ruínas Incas, no Acre. Essas histórias contadas de “boca em boca”, atraiam pesquisadores, como o arqueólogo Roldão Pires Brandão que há anos fazia expedições ao Pico da Neblina, procurando localizar “cidades perdidas”. Tatunca Nara trazia turistas estrangeiros e faturava (US$...). Quando o explorador francês “Jack Cousteau” pesquisou o Rio Amazonas, foi com Tatunca Nara, de helicóptero, “ver as pirâmides”. Mas tudo continuou em segredo. Parece que o único autorizado a escrever sobre o assunto foi Karl Brugger com o livro: Die Chronik von Akakor (Econ verlag Gmbh, Dusseldorf und Ween, 1976). Traduzido sob o título “A Crônica de Akakor”. Direitos de tradução, a Livraria Bertrand Sarl, Lisboa, 1980. Prefácio, Erich von Dâniken. Que tal uma entrevista especial, abordando somente sobre a “Pirâmide e cidades subterrâneas, que só o Tatunca Nara tem o segredo?”.

VF: Sugestão aceita! No entanto, alguns leitores desejam saber se o senhor conhece lendas indígenas, dando conta de homens descidos dos céus, a bordo de reluzentes astronaves? Sabemos que o senhor estudou de perto o mito indígena Bep-Kororoti que, encarado pelos pesquisadores da ufologia, tratava-se de um alienígena que manteve contato com os indígenas.
JAP: Realmente, quando estive com os índios Kayapó, em companhia do famoso sertanista Francisco Meireles, e indigenísta Cícero Cavalcante, em 1962, fotografei um ritual desses índios sobre o herói mítico Bep-kororoti, o guerreiro do espaço, cuja vestimenta de palha era muito parecida com o macacão dos astronautas que, somente dez anos depois, vieram ao conhecimento público. Portanto se alguém copiou esse traje espacial, foram os astronautas modernos. Essa é uma outra história longa e bonita. E segundo os índios, as provas materiais são as ruínas zoomorfas com inscrições rupestres na Serra Pukatoti, (PA), que visitei na década de 50. Publiquei reportagem sobre Bep-kororoti na revista “O Cruzeiro” (ano XLIV, de 29/03/1972, n.13p/20-24), quando Erich von Dâniken, lançou o filme e livro: “Eram os Deuses Astronautas”. Dâniken insistiu em filmar o ritual Bep-kororoti. Não aceitei porque raramente fazem o ritual, e não iria induzir os índios a fazer “teatro” com seu ritual sagrado. Von Dâniken transcreveu em seu livro Semeadura e Cosmo (pgs. 109 a 113) minha reportagem sobre o Bep-kororoti.

VF: Caro Peret, muita gente deseja saber sobre as tais pirâmides amazônicas e 'cidades dos extraterrestres' que só o Tatunca Nara conhece... O senhor comentou que esteve naquela região, inclusive, investigando a existência das mesmas. Afinal, elas existem? Ou Tatunca Nara era apenas um falastrão?
JAP: Preciso citar a ABEPA (Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas Arqueológicas), fundada em 30/05/1958, sob o nº1026-RJ, pelo nosso presidente professor Roldão Pires Brandão. Foi ali que eu soube da existência do índio ugha mongulala, o Tatunca Nara, em 1979. O professor Roldão me contou que, “Conheci o Tatunca Nara, ele é guardião das pirâmides e cidades subterrâneas no Amazonas. Ficam nas cabeceiras do rio Padauiri, no alto rio Negro. Ele me pediu segredo; Vai pedir ao grão sacerdote ugha mongulala para me levar lá. Mas falou do perigo de encontrarmos índios canibais... Preciso de você para amansar os índios. Vou a Manaus conseguir recursos para a expedição”.

VF: O senhor acreditou nessa história? Achou que poderia ser verdade?
JAP: Não. Não havia registro de índios canibais no Brasil de hoje. No ciclo das grandes descobertas nas Américas, inúmeras expedições passaram na região norte do Amazonas: Philipp Von Hutten, Charles Frederick Hartt, Theodor Koch-Grünberg, Cristóbal d’Acunha, La Condamine e outros. Só encontraram material cerâmico, cestaria, madeira, contas, conchas e inscrições rupestres. Os Cambeba do rio Solimões, migrados do Peru, possuíam raros objetos de cobre e tecelagem incaica. Os Tukano do Rio Negro tinham raros folhetos de ouro como brincos e colares. Eu conhecia a Serra Curi-Curiari – “Bela Adormecida”, em São Gabriel da Cachoeira, tida como o “Portal” para o Eldorado... De resto só as “ficções científicas”, como “Eram os Deuses Astronautas?”, de Erich von Dâniken. No seu livro “Semeaduras e Cosmos”, ele transcreveu minha reportagem, intitulada “Bep-kororoti o guerreiro do espaço” uma lenda Kayapó.

VF: Certamente o senhor se tornou famoso, pois os livros de von Dâniken são traduzidos em muitos idiomas.
JAP: Pode ser... Mas não ligo. Em julho de 1979 o professor Roldão detonou a notícia de que havia descoberto as “Pirâmides do Amazonas”. Assim, atraiu a imprensa do Brasil que alugava pequenos aviões para fotografar as pirâmides. Mas, devido a serração, as fotografias não tinham boa definição. O Roldão me telefonou dizendo, “Venha logo, os estrangeiros estão saqueando as relíquias arqueológicas. O suíço Ferdinand Schmid foi preso contrabandeando cerâmica do rio Padauiri. Estou voltando para a região com dois agentes da Polícia Federal com metralhadora, um monge para conversar com os sacerdotes guardiões, um etnólogo e o índio mongulala Tatunca Nara”.

VF: Sim, eu tinha uns 15 anos na época e me lembro desses boatos que tomaram conta da imprensa. Mas, o senhor viu as tais pirâmides?
JAP: Vamos por partes, porque o professor Roldão, saiu numa expedição aparatosa com pessoas inexperientes; ficou estressado e num movimento brusco com uma carabina ela disparou acertando seu pé. Regressaram a Manaus e ele me chamou. Cheguei a Manaus no dia 17/09/1979, juntamos o que sobrou de material e viajamos de carona num barco até o Rio Padauiri. Na Cachoeira da Aliança, ele me apresentou a um individuo que falava português com forte sotaque alemão: Era o índio mongulala Tatunca Nara de quem falei... Surpreso, não contive a expressão: “Mas ele é um Alemão!...”. E o Tatunca tentou de todas as formas me convencer do que era óbvio. Convidou-me para ir a sua casa onde conheci sua esposa dona Anita, o casal de filhos loiríssimos e turistas falando alemão, examinando mapas de uso das Forças Armadas. No retorno da nossa hospedaria, ele parou a canoa no rebojo da cachoeira e contou uma estória rocambolesca que gravei em fita cassete e autorizo a reprodução a seguir.


VF: Como vimos, Tatunca Nara, falou ao jornalista Karl Brugger em seu livro “Die Chronik von Akakor” (“A Crônica de Akakor”, 1976). Mesmo não tendo comprovaçõess de suas afirmações, muita gente acreditou nessa história e o escritor ganhou muito dinheiro com isso. Se tornou célebre...
JAP: Tatunca Nara disse que foi enganado por Karl Brugger. O jornalista o teria levado para entrevistar e fotografar em Manaus, e disse: “Karl me prometeu mundos e fundos, eu ia ficar famoso, rico. Não me pagou. Perdi tempo e gastei dinheiro... Mas sei onde ele mora no Rio de Janeiro. Ele vai levar o troco!...”. Eu não sabia do livro. Mas em 18/08/80 o amigo Francisco Villas-Boas o autografou para mim.

VF: E o Tatunca Nara se identificou bem com o professor Roldão Pires Brandão? Ele levou sua expedição para conhecer as tais pirâmides?
AJP: O Tatunca me falou: “O Roldão disse que era um cientista, que era paranormal e sabia onde estavam as ‘pirâmides’. De outra vez, trouxe a Polícia Federal para me obrigar a levá-los até as pirâmides. Dei voltas com eles pelo mato até cansarem e desistirem. O Roldão perdeu as estribeiras e terminou provocando um acidente com uma arma e acertou o pé. Minha mulher que estudou medicina e trabalhou no Projeto Rondon, tratou dele. Agora falou maravilhas do senhor como indigenísta. Eu estou de mudanças para Barcelos, não posso ajudar”. O senhor Marcionilo Ribeiro, empresário de piaçaba nos acolheu no galpão, com os peões e quatro índios Yanomami, que o ajudava. Ele nos emprestou dois índios como guias. Acima da cachoeira grande, com dois dias de viagem, os trabalhadores ficaram. Prosseguimos numa canoa menor. O rio era estreito, encachoeirado e obstruído com árvores caídas. Localizamos uma trilha na margem, só podia ser do Tatunca Nara. Acampamos. Combinamos que o Roldão ficaria devido o pé machucado. Em conversa ele informou: “O Tatunca Nara comentou que as Pirâmides só eram avistadas ao Por do Sol...”. Fizemos pesquisas, mas não encontramos materiais cerâmicos. No dia seguinte, seguimos pela trilha que subia a Montanha. Ao meio dia chegamos a um platô que estaria a uns 800 metros de altitude. Ali seria o acampamento do Tatunca Nara, quando atendia turistas. Podíamos descortinar até a linha do horizonte, e as nuvens formavam um lastro sobre a copa das árvores. Identificamos a Serra Tapirapecó que formava um semicírculo na direção Nordeste e chegava a Cordilheira Curupira, bem ao nosso lado, com mais de 1200m de altura. A vista era uma deslumbrante obra da natureza; tinha que ser sacrossanto para nós, simples mortais.

VF: E então, sua expedição chegou até as pirâmides do Amazonas?
JAP: O sol foi baixando no Oeste e as nuvens foram se dissipando. Mais ou menos a uns 12 km apareceram os picos das “pirâmides” do professor Roldão Pires Brandão, na realidade do Tatunca Nara, o “índio” ugha mongulala. Por fim elas apareceram de todo, e era tão grandioso que a Gizé, a Miquerinos, e Quéops, poderiam ser riscadas do mapa como maravilhas do mundo. Porém, as “pirâmides do amazonas” tinham dimensões gigantescas entre 600m de altura e uns 2500m de extensão. Também podíamos avistar uma infinidade de pirâmides, pois com o sol se pondo no Oeste, todos os picos projetavam a sombra piramidal para o Leste... (risos).

VF: Depois dessas três expedições do professor Roldão Pires Brandão, fracassado, como ele reagiu diante dessa notícia desagradável?
JAP: Realmente essas expedições precipitadas (Roldão tinha medo que alguém a divulgasse antes dele) causaram estresse no ancião. Foi um golpe na sua carreira de arqueólogo respeitável, ao ponto de irritar até os companheiros de pesquisas. Quando lhe demos a notícia de que não havia nada a vista. Roldão saiu-se com esta: “Fiquei mentalizando, e os mestres espirituais, de luz, disseram que nem o Tatunca Nara era nome verdadeiro”. Pela manhã do dia seguinte, ele ainda comentou desolado: “Se eu estivesse em condições de andar, iria até lá tirar uma lasca daquela pedra, só para ter certeza que não era construção de alguma civilização...”. Eu tinha certeza que aquelas elevações eram naturais. Participei da chefia de logística operacional do Projeto RADAMBRASIL que pesquisou os recursos naturais do solo da Amazônia.

VF: O senhor tomou alguma providência para desmentir as maquinações do senhor Tatunca Nara? Colocou para o jornalista e escritor Karl Brugger, sobre a verdade dos fatos?
JAP: Publiquei reportagem no jornal A Crítica, de maior circulação em Manaus, e de circulação em outros estados. Minha surpresa foi chegar à redação numa segunda feira, e o plantonista de sábado me comunicar: “Atendi um cidadão dizendo chamar-se Tatunca Nara, ele disse que voltava hoje para matar você...”. Chamamos a polícia, mas ele não apareceu... Vez por outra saem matérias abordando maquinações do Tatunca Nara. Ele já mereceu destaque no programa de televisão, “Globo Repórter”, como suspeito no desaparecimento de uma jovem turista estrangeira. Foi falado também, que Tatunca Nara seria um desertor de navio alemão que aportou em Manaus. Mas ele continua morando em Barcelos/AM e recebe turistas para conhecer as “pirâmides”.

VF: Mas esta não foi a primeira vez que o senhor desvela o “mito” Tatunca Nara em público...
JAP: Publiquei entrevista comentando o livro “A Crônica de Akakor”, do jornalista Karl Brugger, em jornais do Rio de Janeiro. O jornalista “exigiu o direito de resposta – lei de imprensa”. Foi concedido. Mas não há como contestar o óbvio. Anos depois a imprensa noticiou que o Sr. Karl Brugger, fora assassinado por um “mendigo” ao sair de um bar, em Copacabana...

VF: Então, toda essa história de Akakor e pirâmides do Amazônas que pode ser encontrada em muitos sites, livros e revistas de ufologia, não passa de mais uma tenra “maionese”... Em verdade, Tatunca era somente um desertor de um navio alemão que passou pela região e tentou se passar por “índio visionário”, associado ao escritor Karl Brugguer, outro alemão... Mas, como ele conseguiu montar uma história com termos e elementos nativos que convenceu tantas pessoas?
JAP: Não sei se ele convenceu muitas pessoas ou somente as que desejaram ser convencidas. Para o teu conhecimento, os índios são muito brincalhões e podem ter colocado o Tatunca Nara numa fria, quando ensinaram a ele algumas palavras do idioma local. Por exemplo, akakor, quer dizer disenteria. Mongulala é fazer sexo. E Akahin é banhar-se no rio...

VF: Com certeza, esta foi uma história "para alemão ver"... Agradecemos pela entrevista e desde já, pedimos que nos conceda uma próxima, para abordarmos detalhes pendentes dos assuntos aqui tratados, a exemplo do viajante das estrelas dos caiapó, o Bep-Kororoti, bem como outros assuntos.
JAP: Combinado. Será concedida. Obrigado a você e sua equipe. Deixo minha cordial saudação a todos os seus leitores.

sexta-feira, 4 de março de 2011

A LUTA POR DIREITOS DO POVO GUARANI EM SÃO PAULO


Nhanderu (Deus) está triste. Ele quis deixar seu corpo e seu espírito aqui na terra. Mas os juruá (não-indígenas) não estão colaborando com sua obra e estão destruindo tudo. A terra vai ficando pobre, mal cuidada e vai se revoltando. Aí vemos coisas ruins acontecendo como terremotos, enchentes e deslizamentos. As palavras em tom de lamento, ditas por Alísio, liderança Guarani Mbyá, em São Paulo, refletem o sentimento das comunidades indígenas que vivem nas periferias da grande metrópole.
A terra para os Guarani é fonte de vida e sobrevivência e, segundo o subsídio Semana dos Povos Indígenas – 2009, do Conselho Indigenista Missionário, (CIMI) “não é só a base do sustento, mas também o lugar onde jazem os ancestrais, onde se reproduzem a cultura, a identidade e a organização social”.
Na zona oeste de São Paulo as aldeias Guarani, Tekoá Pyaú e Tekoá Ytú, localizadas perto do Pico do Jaraguá, enfrentam problemas como a inserção de grandes projetos na região, carências no atendimento à saúde e educação. A Tekoá Pyaú está entre as menores aldeias do Brasil que esperam pela demarcação de sua terra de apenas 2,7 hectares, onde vivem mais de 80 famílias. Considerando o aumento da população, esta área exígua será insuficiente para abrigar um número maior de famílias.
Para o Xeramoi (pajé) José Fernandes, da aldeia Tekoá Pyaú “o processo de demarcação da aldeia está indo bem mal, porque os juruá (não-índios) são muitos e não sabem como realizar”, afirma. A preocupação maior das lideranças locais advém da morosidade dos órgãos públicos que deveriam agir conforme a Constituição Federal que assegura os direitos dos povos originários.
Porém, os processos são lentos e quase nunca se estabelece um diálogo preciso com as comunidades envolvidas, mesmo sabendo que a não consulta prévia aos povos, fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante este direito aos povos indígenas, quando estes forem afetados. Neste sentido, cabe ao poder público atender as comunidades indígenas no Brasil, expostas à violência por conta da negação de suas terras e interferência de grandes projetos.

Megaprojetos
Um grande sofrimento destas comunidades no Jaraguá teve início em 1998, ainda no governo Mário Covas (1995- 2001), quando a empresa Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) iniciou a construção do Rodoanel Mário Covas, cortando parte de aldeias e interferindo em outras. Ainda assim, as propagandas do governo de São Paulo insistem que “O Rodoanel não é apenas a maior obra viária do Brasil. É também a que mais emprega”.
As lideranças afirmam que, na época, não foram consultadas sobre este projeto e suas interferências. A empresa propõe atualmente negociações junto à comunidade, através da compra de terras como medida compensatória. A comunidade tem dialogado, mas se posiciona na exigência da demarcação da terra no Jaraguá.
Estes fatos remontam à inserção de projetos pelo Brasil. Vale lembrar as críticas em relação à construção da usina hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Como obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), custará milhões de dólares e afetará toda a população. Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do CIMI, denuncia que a obra terá conseqüências irreversíveis e imprevisíveis, inundando bairros inteiros, afetando 30 mil famílias e causando a destruição de terras indígenas.

Saúde
Para as lideranças do Jaraguá, em sintonia com outros povos que vivem na cidade de São Paulo, este é um assunto preocupante. Em maio de 2009, enquanto lideranças indígenas, incluindo as das aldeias Guarani de São Paulo, no 6º Acampamento Terra Livre, em Brasília, elaboravam uma nova proposta de texto para o novo Estatuto dos Povos Indígenas abrangendo, também, a questão da saúde, outras lideranças deste povo, em conjunto com representantes de 36 aldeias do estado de São Paulo, ocupavam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) na cidade de São Paulo, reivindicando, entre outras coisas, a demissão do coordenador regional Raze Razek, avaliado por essas comunidades como péssimo gestor na ação efetiva do atendimento médico e sanitário.
Em dezembro de 2009, no Encontro de Articulação das lideranças indígenas de São Paulo, representantes de diversas etnias reuniram-se na aldeia Tekoá Pyaú para retomar os compromissos assumidos após a ocupação, como reclamar do descaso de remédios e de atendimento, tendo presente as necessidades emergenciais que vivem as comunidades. Novamente, se constatou que não ocorreram muitos avanços por parte do poder público no atendimento diferenciado aos povos que vivem na área urbana, considerando suas reais necessidades e reivindicações.
Educação
Uma dificuldade está na preservação da educação tradicional que sempre foi transmitida oralmente, desde seus antepassados, às crianças e jovens e que é “omitida” ou descaracterizada nas escolas públicas. Na aldeia Tekoá Pyaú, um projeto interessante, desde 2001, é o Centro de Educação e Cultura Indígena que nasceu a partir “da necessidade de se fazer frente à influência crescente da cultura não indígena, nas aldeias Guarani existentes na cidade de São Paulo”. É um espaço onde as crianças da aldeia contam com ensino bilíngüe.
Na aldeia Tekoá Ytú há também uma escola onde se fala e ensina a língua Guarani, mas, para Davi Martim, professor Guarani, muitos avanços na educação escolar das crianças ainda são necessários. Para ele, faltam recursos pedagógicos para atuar dentro da escola e a educação na aldeia deve ser pensada de forma diferenciada, levando em conta a especificidade cultural de seu povo. Assim, “não há como aplicar, na escola da aldeia, o modelo não indígena que existe nas escolas públicas do estado e do município de São Paulo”, enfatiza.
Em São Paulo, uma conquista que pode ser observada nesta área é o Programa Pindorama da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que, em parceria com a Pastoral Indigenista e comunidades indígenas, oferece bolsas de graduação aos indígenas de várias etnias. Davi, por exemplo, é estudante de Ciências Sociais. A universidade torna-se um espaço possível para a atuação desses estudantes, conferindo-lhes a oportunidade de participar na construção de novas formas de pensar.
Descaso do poder público
Grande parte da sociedade reforça a idéia de que a cidade e a periferia, não são espaços para indígenas viverem. Para as lideranças da aldeia no Jaraguá, esse tipo de afirmação é discriminatória. “Os povos indígenas que vivem na área urbana não
deixam de ser indígenas por isso”, apontam.
Para eles, é preciso que a sociedade repense seus conceitos e preconceitos, as concepções pejorativas e discriminatórias a que, por séculos, foi levada a pensar. Além do preconceito, o que se evidencia é o descaso dos órgãos públicos na efetivação dos direitos dos povos indígenas, agindo com lentidão e sem reposta às necessidades de demarcação de terras, educação, saúde, moradia e reconhecimento destes povos que vivem na cidade de São Paulo. Mais que urgente, deve-se perceber que os antigos moradores de nossa terra estão esquecidos e reduzidos por interesses econômicos e políticos corruptos.

Beatriz Catarina Maestri e Vanessa Ramos de São Paulo
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - CIMI - SÃO PAULO

quarta-feira, 2 de março de 2011

Não foi desta vez que um “branco” foi condenado por matar um indígena no MS


Acusados de matar o cacique Marcos Verón são condenados por tortura, sequestro e quadrilha, mas não por homicídio
Não foi desta vez que o Mato Groso do Sul, estado com maior índice de violência contra os povos indígenas, viu a condenação de um “branco” por assassinato de uma liderança indígena. Na noite da última sexta-feira, dia 25, os jurados decidiram absolver Carlos Roberto dos Santos, acusado pelo homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e meio cruel, do cacique Guarani Kaiowá Marcos Verón, de 72 anos.
Além de Santos, Estevão Romero e Jorge Cristaldo Insabralde eram réus no processo que apura os crimes contra as famílias que retomaram terra indígena Takuara, que hoje é ocupada pela Fazenda Brasília do Sul, em Juti, Mato Grosso do Sul. Ao todo, o Ministério Público Federal denunciou 28 pessoas por envolvimento no crime que ocorreu em janeiro de 2003.
Apesar de Santos ter sido absolvido da acusação de homicídio, os três funcionários da fazenda foram condenados a 12 anos e três meses de prisão por seis sequestros, tortura e formação de quadrilha armada. A pena foi determinada pela juíza da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Paula Mantovani. Estevão Romero foi condenado também a mais seis meses em regime aberto por fraude processual.
Todos os réus já passaram quatro anos e oito meses sob prisão preventiva. Como ainda podem recorrer à sentença, eles deixaram o tribunal em liberdade.
O procurador do Ministério Público Federal, Luiz Carlos Gonçalves, que fez parte da acusação, considerou o resultado como uma vitória parcial. “ A vitória completa seria a condenação dos réus também pelos homicídios e tentativas de homicídios”.
Considerando as outras sentenças, o procurador observa que “a mensagem que fica é que a comunidade indígena tem direitos e que a violência é intolerável ”.
Nestes cindo dias de júri, uma comissão com 18 indígenas saiu de suas aldeias para acompanhar o julgamento. Ao final do júri, o professor Ládio Verón, filho do cacique Verón e vítima da sessão de torturas feitas pelos condenados, resumiu o sentimento dos familiares. “A gente fica sem saber. Eles foram condenados, mas não vão ficar presos. Meu pai foi morto, e oito anos depois não tem um assassino e nem o mandante ”.
A defesa dos acusados comemorou o resultado, já que a pena aplicada é apenas uma fração da penalidade que poderia ser imputada.
Em nota, o Conselho Indigenista Missionário, órgão que apóia a luta Guarani Kaiowá, manifestou indignação com o resultado. “A decisão que acolheu parcialmente as alegações do Ministério Público Federal, mas que não reconheceu a prática do crime de homicídio praticado contra o cacique e da tentativa de homicídio contra seus familiares e fato dos acusados poderem recorrer da sentença em liberdade, traz relevante indignação e preocupação desta entidade pela impunidade do fato e as consequências deste precedente”.

A transferência
O processo ainda foi desmembrado em outras duas partes, quando serão julgados o dono da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho, réu como mandante do assassinato, e Nivaldo Alves Oliveira, réu foragido acusado de dar o golpe final fatal em Verón.
O Tribunal de Júri foi transferido para São Paulo por decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região em 2009. A Justiça entendeu que, devido ao forte clima de racismo contra os Guarani Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul, haveria suspeita de imparcialidade dos jurados no caso.
Como manifestação desta imparcialidade, o MPF citou as manifestações do juiz estadual contra os indígenas e contra o procurador da República do caso. Manifestações ocorreram em 2009 na Assembléia Legislativa sul-mato-grossense. No parlamento, o juiz condenou os acampamentos indígenas e relativizou a morte das lideranças.
Inúmeras opiniões desfavoráveis aos índios em diversos jornais do estado também foram juntadas ao processo, para mostrar que um júri federal realizado em qualquer subseção judiciária do estado teria viés contrário aos índios.
O TRF levou em conta também que o julgamento poderia ser influenciado pelo poder econômico e social do proprietário da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho. O fazendeiro teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos, no dia seguinte ao assassinato, inocentando os seguranças contratados pelo fazendeiro. Honório teria tentado comprar o depoimento de um dos filhos do cacique assassinado, oferecendo-lhe bens materiais em troca da assinatura de um termo de depoimento já redigido.
Este foi o terceiro caso de desaforamento interestadual do Brasil. Os dois primeiros ocorreram no julgamento do ex-deputado federal Hildebrando Pascoal. Dois de seus júris federais foram transferidos de Rio Branco (AC) para Brasília.

Fonte: CIMI