sexta-feira, 4 de março de 2011
A LUTA POR DIREITOS DO POVO GUARANI EM SÃO PAULO
Nhanderu (Deus) está triste. Ele quis deixar seu corpo e seu espírito aqui na terra. Mas os juruá (não-indígenas) não estão colaborando com sua obra e estão destruindo tudo. A terra vai ficando pobre, mal cuidada e vai se revoltando. Aí vemos coisas ruins acontecendo como terremotos, enchentes e deslizamentos. As palavras em tom de lamento, ditas por Alísio, liderança Guarani Mbyá, em São Paulo, refletem o sentimento das comunidades indígenas que vivem nas periferias da grande metrópole.
A terra para os Guarani é fonte de vida e sobrevivência e, segundo o subsídio Semana dos Povos Indígenas – 2009, do Conselho Indigenista Missionário, (CIMI) “não é só a base do sustento, mas também o lugar onde jazem os ancestrais, onde se reproduzem a cultura, a identidade e a organização social”.
Na zona oeste de São Paulo as aldeias Guarani, Tekoá Pyaú e Tekoá Ytú, localizadas perto do Pico do Jaraguá, enfrentam problemas como a inserção de grandes projetos na região, carências no atendimento à saúde e educação. A Tekoá Pyaú está entre as menores aldeias do Brasil que esperam pela demarcação de sua terra de apenas 2,7 hectares, onde vivem mais de 80 famílias. Considerando o aumento da população, esta área exígua será insuficiente para abrigar um número maior de famílias.
Para o Xeramoi (pajé) José Fernandes, da aldeia Tekoá Pyaú “o processo de demarcação da aldeia está indo bem mal, porque os juruá (não-índios) são muitos e não sabem como realizar”, afirma. A preocupação maior das lideranças locais advém da morosidade dos órgãos públicos que deveriam agir conforme a Constituição Federal que assegura os direitos dos povos originários.
Porém, os processos são lentos e quase nunca se estabelece um diálogo preciso com as comunidades envolvidas, mesmo sabendo que a não consulta prévia aos povos, fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante este direito aos povos indígenas, quando estes forem afetados. Neste sentido, cabe ao poder público atender as comunidades indígenas no Brasil, expostas à violência por conta da negação de suas terras e interferência de grandes projetos.
Megaprojetos
Um grande sofrimento destas comunidades no Jaraguá teve início em 1998, ainda no governo Mário Covas (1995- 2001), quando a empresa Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) iniciou a construção do Rodoanel Mário Covas, cortando parte de aldeias e interferindo em outras. Ainda assim, as propagandas do governo de São Paulo insistem que “O Rodoanel não é apenas a maior obra viária do Brasil. É também a que mais emprega”.
As lideranças afirmam que, na época, não foram consultadas sobre este projeto e suas interferências. A empresa propõe atualmente negociações junto à comunidade, através da compra de terras como medida compensatória. A comunidade tem dialogado, mas se posiciona na exigência da demarcação da terra no Jaraguá.
Estes fatos remontam à inserção de projetos pelo Brasil. Vale lembrar as críticas em relação à construção da usina hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Como obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), custará milhões de dólares e afetará toda a população. Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do CIMI, denuncia que a obra terá conseqüências irreversíveis e imprevisíveis, inundando bairros inteiros, afetando 30 mil famílias e causando a destruição de terras indígenas.
Saúde
Para as lideranças do Jaraguá, em sintonia com outros povos que vivem na cidade de São Paulo, este é um assunto preocupante. Em maio de 2009, enquanto lideranças indígenas, incluindo as das aldeias Guarani de São Paulo, no 6º Acampamento Terra Livre, em Brasília, elaboravam uma nova proposta de texto para o novo Estatuto dos Povos Indígenas abrangendo, também, a questão da saúde, outras lideranças deste povo, em conjunto com representantes de 36 aldeias do estado de São Paulo, ocupavam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) na cidade de São Paulo, reivindicando, entre outras coisas, a demissão do coordenador regional Raze Razek, avaliado por essas comunidades como péssimo gestor na ação efetiva do atendimento médico e sanitário.
Em dezembro de 2009, no Encontro de Articulação das lideranças indígenas de São Paulo, representantes de diversas etnias reuniram-se na aldeia Tekoá Pyaú para retomar os compromissos assumidos após a ocupação, como reclamar do descaso de remédios e de atendimento, tendo presente as necessidades emergenciais que vivem as comunidades. Novamente, se constatou que não ocorreram muitos avanços por parte do poder público no atendimento diferenciado aos povos que vivem na área urbana, considerando suas reais necessidades e reivindicações.
Educação
Uma dificuldade está na preservação da educação tradicional que sempre foi transmitida oralmente, desde seus antepassados, às crianças e jovens e que é “omitida” ou descaracterizada nas escolas públicas. Na aldeia Tekoá Pyaú, um projeto interessante, desde 2001, é o Centro de Educação e Cultura Indígena que nasceu a partir “da necessidade de se fazer frente à influência crescente da cultura não indígena, nas aldeias Guarani existentes na cidade de São Paulo”. É um espaço onde as crianças da aldeia contam com ensino bilíngüe.
Na aldeia Tekoá Ytú há também uma escola onde se fala e ensina a língua Guarani, mas, para Davi Martim, professor Guarani, muitos avanços na educação escolar das crianças ainda são necessários. Para ele, faltam recursos pedagógicos para atuar dentro da escola e a educação na aldeia deve ser pensada de forma diferenciada, levando em conta a especificidade cultural de seu povo. Assim, “não há como aplicar, na escola da aldeia, o modelo não indígena que existe nas escolas públicas do estado e do município de São Paulo”, enfatiza.
Em São Paulo, uma conquista que pode ser observada nesta área é o Programa Pindorama da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que, em parceria com a Pastoral Indigenista e comunidades indígenas, oferece bolsas de graduação aos indígenas de várias etnias. Davi, por exemplo, é estudante de Ciências Sociais. A universidade torna-se um espaço possível para a atuação desses estudantes, conferindo-lhes a oportunidade de participar na construção de novas formas de pensar.
Descaso do poder público
Grande parte da sociedade reforça a idéia de que a cidade e a periferia, não são espaços para indígenas viverem. Para as lideranças da aldeia no Jaraguá, esse tipo de afirmação é discriminatória. “Os povos indígenas que vivem na área urbana não
deixam de ser indígenas por isso”, apontam.
Para eles, é preciso que a sociedade repense seus conceitos e preconceitos, as concepções pejorativas e discriminatórias a que, por séculos, foi levada a pensar. Além do preconceito, o que se evidencia é o descaso dos órgãos públicos na efetivação dos direitos dos povos indígenas, agindo com lentidão e sem reposta às necessidades de demarcação de terras, educação, saúde, moradia e reconhecimento destes povos que vivem na cidade de São Paulo. Mais que urgente, deve-se perceber que os antigos moradores de nossa terra estão esquecidos e reduzidos por interesses econômicos e políticos corruptos.
Beatriz Catarina Maestri e Vanessa Ramos de São Paulo
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO - CIMI - SÃO PAULO
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