quarta-feira, 19 de outubro de 2016

As 10 mentiras mais contadas sobre os indígenas - parte 1

As afirmações listadas abaixo foram extraídas da vida real. Algumas nas ruas do interior do Brasil, outras nas cidades grandes, outras em discursos de políticos. Percepções diversas, vindas de pessoas com histórias diferentes, mas com um direcionamento em comum: a disseminação do discurso anti-indígena com argumentos falsos. Mentira nº 1: Quase não existe mais índio, daqui alguns anos não existirá mais nenhum Se as pessoas não sabem muito sobre os indígenas na atualidade, sabem menos ainda sobre o passado destes povos. Mesmo os pesquisadores não encontram um consenso, e os números variam muito conforme os critérios utilizados. A antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo estima que, na época da chegada dos europeus, a população indígena no Brasil era de 3 milhões de pessoas. Eram mais de 1.000 povos diferentes, que durante séculos foram exterminados pelos conquistadores, seja por suas armas de fogo, seja pelas doenças que eles trouxeram. De acordo com antropóloga, em 1957 havia no Brasil apenas 70 mil indígenas. O crescimento desta população é observado somente a partir da década de 1980. Em 1991, quando o IBGE passou a coletar dados sobre a população indígena brasileira, eles somavam 294 mil pessoas. Em 2000, o Censo revelou um crescimento da população indígena muito acima da expectativa, passando para 734 mil pessoas. Em 2010, a população indígena continuou crescendo, e o Censo mostrou que mais de 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, representando 0,47% da população brasileira. Eles estão distribuídos em 305 etnias e falam 274 línguas. Esse aumento populacional jamais seria possível se fossem considerados apenas fatores demográficos, como a natalidade e a mortalidade. Esses dados revelam o crescimento do número de pessoas que passaram a se reconhecer como indígenas e o “ressurgimento” de grupos indígenas. Isto se dá porque, antes, ser índio no Brasil significava ser atrasado, inferior, escravizado, catequizado, ser alvo de discriminação, de chacinas e até mesmo não ser considerado humano. Diversos povos foram obrigados a abrir mão de suas línguas e de sua cultura. Agora os povos indígenas voltam a afirmar sua identidade, talvez porque as circunstâncias estejam mais amigáveis. Ou talvez porque este grito não suporte mais ser calado. Tratá-los simplesmente como “índios” esconde a imensa diversidade cultural e circunstâncias de vida tão distintas. Mas algo muito mais forte que as diferenças étnicas propicia a união destes povos: o fato de se sentirem diferentes de nós. Temos no Brasil todos os tipos de extremos: índios que possuem seu território assegurado e índios que morrem lutando por seu território; índios brancos e índios negros; índios cristãos e índios pajés; índios isolados e índios urbanos. Os povos indígenas isolados são aqueles que não estabeleceram contato permanente com a população nacional e com o Estado. As informações sobre eles são transmitidas por outros índios, por moradores da região e por pesquisadores. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem cerca de 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal, dos quais 26 já foram confirmados e estão sendo monitorados, seja por imagens de satélite, sobrevoos ou expedições na região. Não se sabe, no entanto, a quantidade destes povos e indivíduos que vivem voluntariamente isolados. Muitos já tiveram alguma experiência de contato não amistosa com garimpeiros, madeireiros, grileiros e traficantes próximos à fronteira. Também é provável que tenham tido ou mantenham contato com populações ribeirinhas, seringueiros e, principalmente, com algum outro povo indígena. Os resultados do contato conosco são trágicos, a começar pelas doenças que transmitimos, para as quais eles não têm imunidade: sarampo, rubéola, caxumba, difteria, tétano, hepatite, gripe e outras. Conhecendo esta realidade, estes povos que vivem em situação de isolamento escolheram fugir. Isso não significa, no entanto, que eles não tenham notícias de nossa sociedade. Eles observam rastros, utilizam ferramentas e se relacionam com outros indígenas que contam as novidades do mundo do branco. Em outros tempos, como muitos devem se lembrar, o órgão governamental indigenista, na época chamado SPI (Serviço de Proteção aos Índios), deixava presentes como espelhos, panelas e ferramentas para atrair os indígenas. Hoje a Funai busca garantir que eles tenham seu território assegurado para transitarem livremente. Mas as ameaças são muitas e cada vez mais seus territórios são menores. Os indígenas que vivem em áreas urbanas somam 324 mil, ou seja, 36% do total da população indígena, um número que vem crescendo ano após ano (IBGE, 2010). Há dois motivos recorrentes para que esses índios vivam em áreas urbanas. Um deles é a migração dos territórios tradicionais em busca de melhores condições de vida na cidade. O outro é que os limites das cidades cada vez mais alcançam as fronteiras de seus territórios. As pessoas continuam acreditando que a população indígena está sendo reduzida, mesmo que os números digam o contrário e que eles estejam mais presentes nos centros urbanos. A desinformação tem uma consequência: fingimos que os índios estão deixando de existir e gradualmente não pensamos mais na situação deles. Assim fica mais fácil justificar nenhum respeito a seus direitos e à sua própria vida. Por Lilian Brandt* / AXA

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