terça-feira, 16 de agosto de 2011
Vida e morte nos caminhos Guarani
Foram mais de mil quilômetros andados pelas aldeias e acampamentos Kaiowá Guarani em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. Ali a vida anda devagar, e a morte espreita nas esquinas da estrada.
Em todos os lugares em que chegávamos entregávamos papéis muito singelos: os convites para a Aty Guasu na comunidade Passo Piraju. Oportunidade ímpar para rever os amigos, sentir o pulsar forte do coração Kaiowá Guarani em suas diversas circunstâncias. Momento de ouvir palavras sábias do Nhanderu Atanásio, de sentir a alegria do grupo do Ypo’i, para os quais levamos material escolar, pois estavam dando aula “apenas com papel sulfite” como nos confidenciou uma liderança. Para eles também entregamos um exemplar da revista Mensageiro que traz na capa foto de duas crianças do Ypo’i. À equipe da revista queremos externar, em nome dos Kaiowá Guarani a gratidão por todo o apoio que deram, e dizer que valeu e muito, a divulgação da realidade desse povo através do vídeo Semente de Sonhos, que foi distribuído em vários países da América do Sul.
A lua nos guiou até Kurusu Ambá. Lá chegamos ao entardecer. A comunidade estava reunida, celebrando a importante vitória que conseguiram na Justiça Federal da 3ª Região, em São Paulo. Por unanimidade os juízes entenderam que a comunidade poderia ficar no local em que estão desde novembro de 2009, quando retornaram a uma pequena mata, do seu tekohá Kurusu Ambá. Foi maravilhoso poder passar a noite marcada pelo ritual e depois o silêncio total, apenas rompido pelos ruídos de alguns animais e aves. A lua cheia à beira do riacho foi um espetáculo à parte. São esses raros momentos de oásis, na turbulência e violência em que se encontra a maioria das aldeias e acampamentos. Eliseu, liderança que representa a Aty Guasu e movimento Kaiowá Guarani na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), construiu, na aldeia, uma casa para receber os visitantes. Passamos aí uma noite maravilhosa. Andar nas trilhas da mata e sentir um pouco do Bem Viver que procuram aí construir, é um privilégio.
Em Nhanderu Marangatu nos informaram que continua a pressão e violência contra a comunidade e o meio ambiente. Loretito informou que continuam tirando postes da terra indígena, e ameaçando os membros da comunidade. Ele espera que essa situação se resolva o quanto antes. Para isso enviaram documento à comissão do Conselho Nacional de Justiça que irá tratar especificamente da questão das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. A primeira reunião será no dia 15 deste mês, em Brasília. No documento pedem empenho e prioridade para a situação desta terra indígena “por ser emblemática em termos das terras indígena no MS e ao mesmo tempo ser dramática, pois ali vivem mais de mil pessoas em 127 hectares.”
Na Terra Indígena Amambai, participamos de um encontro do Movimento dos Professores Kaiowá Guarani, que já são mais de 300. Há 17 anos o movimento vem tomando várias iniciativas, dentre as quais o encontro anual, que neste ano será no início de outubro na aldeia de Pirakuá. Discutiram sobre o Território Etnoeducanional do Cone Sul, que abrange as comunidades Kaiowá Guarani. Mas principalmente buscaram fazer uma autocrítica do movimento e traçar algumas estratégias com relação a vários problemas e retrocessos com relação à educação escolar indígena. Repudiaram as palavras discriminatórias e racistas do governador do estado com relação aos direitos, lutas e realidade do povo Kaiowá Guarani.
Destruição dos barracos de Pyelito Kuê e Mabarakaí
Na noite deste sábado, 13 de agosto, capangas invadiram o acampamento Iguatemi, que integra a área conhecida como Pyelito Kuê. Durante a ação, os indígenas se preparavam para mudar o acampamento para outro lugar na mata, que fica na fazenda Santa Rita. Diversos barracos foram destruídos e os capangas levaram o que podiam dos barracos, inclusive as lonas, sob as quais os Kaiowá Guarani vivem. A fazenda é de propriedade da família do prefeito de Iguatemi José Roberto Filippe.
Há três dias a Polícia Federal esteve na sede da fazenda informando da presença dos índios, para que não houvesse violência. Porém os Kaiowá Guarani acampados, que foram vítimas de violência em momentos anteriores, temem que se possa repetir um ataque de pistoleiros. Por esta razão solicitam a presença da Polícia Federal na região para evitar ações semelhantes.
A um dos membros da Aty Guasu, que desde o inicio da retomada deu total apoio a seus parentes na luta pelo seu tekohá, externou sua confiança de que não haja violência e que os órgãos responsáveis pela demarcação e garantia das terras indígenas resolvam a questão das terras indígenas Kaiowá Guarani o mais rápido possível.
Quando da nossa passagem na aldeia de Sassoró nos encontramos com Marcia, esposa de um dos líderes do acampamento. Ela expôs a Eliseu as apreensões e dificuldades do grupo. Além da tensão e temor de ataques, estão necessitando com urgência de alimentos.
Tudo muito estranho
No dia 12 de agosto Emilio Pedro, de 56 anos, do acampamento Guirá Kambi’y, município de Douradina, saiu para trabalhar um pouco no seu roçado. Na manhã do dia seguinte foi encontrado enforcado, próximo a um córrego. A comunidade ficou perplexa. Ele era um dos Nhanderu (lideres religiosos) que com muito entusiasmo e alegria recebia com reza ritual todos os visitantes. Recordo-me de seus gestos acolhedores quando há uma semana, estivemos com a comunidade entregando os convites para a Aty Guasu. Ele era um dos que iriam ao importante evento, que será realizado na aldeia de Passo Piraju, município de Dourados, de 19 a 22 deste mês.
Um dos conselheiros da Aty Guasu esteve na comunidade, participando do velório e do sepultamento ontem, em pleno Dia dos Pais. Ele apenas comentou: “Tudo muito estranho”.
Emilio era casado com Vilma Quevedo e deixou seis filhos. Apesar da dor sentida pela comunidade, terão que superar esse sofrimento buscando novas energias para continuarem a vida na luta pela terra, no acampamento. Nós da equipe do Cimi nos solidarizamos com os familiares e a comunidade, na certeza de que a luta continua, e que a vitória da terra está próximo.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Anistia Internacional critica Belo Monte e diz que povos indígenas são vistos como "pedra no sapato"
Os povos indígenas são vistos como uma “pedra no sapato” dos interesses comerciais e por isso sofrem ameaças, expulsões de suas áreas tradicionais e assassinatos para que os recursos naturais de suas terras sejam explorados. A avaliação é da Anistia Internacional (AI) que divulga, nesta sexta-feira (5), um relatório sobre a situação das populações indígenas em todo o continente americano.
A divulgação do relatório “Sacrificando Direitos em Nome do Progresso” marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas a ser celebrado no próximo dia 9 de agosto.
“Nas Américas, o povos indígenas conseguiram se organizar e ter voz para defender seus direitos. Porém, eles são ainda um dos grupos mais marginalizados e mais atingidos pelas violações dos direitos humanos”, divulga a organização.
A expansão da agricultura e das atividades das indústrias extrativistas, além de outros grandes projetos de desenvolvimento como barragens e estradas que cruzam as tradicionais terras indígenas são uma “crescente ameaça” a estes povos.
O documento critica a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia. Segundo Patrick Wilcken, pesquisador da Anistia em assuntos brasileiros, os “planos ambiciosos” do governo brasileiro para construir centenas de hidrelétricas em toda a Amazônia irão causar “enormes problemas para a sobrevivência destes povos”.
De acordo com o ativista, Belo Monte é um “caso problemático”, pois terá um influxo de milhares de trabalhadores para a área durante o período de construção e mais de 20 mil pessoas terão que ser deslocadas. “Muitos indígenas impactados já reclamam não terem sido consultados”, afirma.
Outra preocupação da organização diz respeito à construção das barragens ao longo do rio Madeira onde existem povos isolados. “A construção de Jirau e Santo Antônio, por exemplo, já causaram migrações em larga escala e com isso levando doenças, desmatamento e violência.”
O empreendimento de Belo Monte está mantido apesar da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos) ter solicitado ao governo brasileiro que suspendesse imediatamente o processo de licenciamento e construção em razão do potencial prejuízo da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu.
No dia 1º de junho, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) concedeu a licença de instalação para a construção da usina à Norte Energia S. A., empresa responsável pela implantação do empreendimento. O órgão ambiental confirmou que as condicionantes exigidas para a concessão foram cumpridas.
Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, garantiu que a hidrelétrica de Belo Monte entrará em funcionamento em 2015.
Esta decisão, segundo a Anistia, “desafiou e desprezou” a indicação do CIDH de suspendê-la até que os direitos das comunidades indígenas locais estivessem “garantidos em sua totalidade”.
A Anistia reivindica que os índios tenham acesso às avaliações de impacto ambiental e social do projeto em suas línguas, além de medidas para proteção dos que vivem isolados.
“Por um triz”
Para o pesquisador Patrick Wilcken, a Anistia pede que os governos dos países da região parem de priorizar os projetos de desenvolvimento às custas dos direitos dos povos indígenas.
“Houve muitos avanços em termos do cumprimento de direitos dos indígenas no Brasil, no entanto, a discriminação, as incursões ilegais às terras indígenas e ameaças contra as lideranças persistem. A atual agenda de desenvolvimento do governo apresenta sérios desafios para os grupos indígenas em todo o Brasil. A demarcação de muitas terras ficou paralisada colocando em risco muitas comunidades indígenas, assim como os indicadores sociais e econômicos dos indígenas brasileiros na saúde e educação permanecem substancialmente baixos”, disse ao UOL Notícias.
Segundo o relatório, depois de séculos de abuso e discriminação, a sobrevivência física e cultural destas populações está “por um triz” por haver uma “vontade política insuficiente” de reconhecê-los, respeitá-los e protegê-los, “uma vez que estes direitos são vistos como obstáculos para o crescimento econômico”.
O avanço da soja, o gado, a madeira e empresas mineradoras na Amazônia são as principais ameaças, afirma Wilcken que cita o caso dos Guajajara no Maranhão, os Enawene Nawe no Mato Grosso e os Suruí em Rondônia que têm “sofrido intimidações e ameaças nas mãos de madeireiros e empresas mineradoras”.
Guaraní-kaiowá
Segundo a entidade, a situação é particularmente grave no Estado do Mato Grosso do Sul, onde vivem comunidades guarani-kaiowá que enfrentam “constantes perseguições de pistoleiros contratados por fazendeiros locais”.
No relatório, “apesar dos esforços de promotores públicos para avançar no processo de reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras tradicionais, o processo permanece paralisado”.
“Muitas das lideranças já foram assassinadas. Este talvez seja o caso mais sério em termos de violência sistemática contra os povos indígenas no Brasil hoje”, admite Wilcken.
O ativista critica que o direito constitucional destes povos às suas terras ancestrais está em perigo devido à “expansão das plantações de cana de açúcar para suprir o boom do etanol”.
Em setembro de 2009, 35 famílias de guarani-kaiowá da comunidade de Laranjeira Nanderu foram expulsas de suas terras tradicionais. A Polícia Federal, que supervisionou a expulsão, informou ao proprietário que a comunidade retornaria ao local para recolher os objetos que tiveram que deixar para trás. Porém, o proprietário incendiou as casas e todos os pertences dos moradores.
A partir de então, a comunidade passou a viver em tendas improvisadas à beira da rodovia BR-163, no Mato Grosso do Sul. A Anistia já denunciou as “deploráveis condições” em que se encontra esta comunidade que vive sob “ameaças e intimidações de seguranças armados contratados por fazendeiros locais”.
Cerca de 30 mil guarani-kaiowá vivem hoje no Estado do Mato Grosso do Sul. A Anistia alerta para as “grandes dificuldades econômicas e o deslocamento social das comunidades”, nas quais mais da metade dos jovens dessa etnia “se vê obrigada a percorrer distâncias longínquas dentro do Estado para trabalhar como cortadores de cana nas plantações, geralmente em condições severas e exploradoras”.
A divulgação do relatório “Sacrificando Direitos em Nome do Progresso” marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas a ser celebrado no próximo dia 9 de agosto.
“Nas Américas, o povos indígenas conseguiram se organizar e ter voz para defender seus direitos. Porém, eles são ainda um dos grupos mais marginalizados e mais atingidos pelas violações dos direitos humanos”, divulga a organização.
A expansão da agricultura e das atividades das indústrias extrativistas, além de outros grandes projetos de desenvolvimento como barragens e estradas que cruzam as tradicionais terras indígenas são uma “crescente ameaça” a estes povos.
O documento critica a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia. Segundo Patrick Wilcken, pesquisador da Anistia em assuntos brasileiros, os “planos ambiciosos” do governo brasileiro para construir centenas de hidrelétricas em toda a Amazônia irão causar “enormes problemas para a sobrevivência destes povos”.
De acordo com o ativista, Belo Monte é um “caso problemático”, pois terá um influxo de milhares de trabalhadores para a área durante o período de construção e mais de 20 mil pessoas terão que ser deslocadas. “Muitos indígenas impactados já reclamam não terem sido consultados”, afirma.
Outra preocupação da organização diz respeito à construção das barragens ao longo do rio Madeira onde existem povos isolados. “A construção de Jirau e Santo Antônio, por exemplo, já causaram migrações em larga escala e com isso levando doenças, desmatamento e violência.”
O empreendimento de Belo Monte está mantido apesar da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos) ter solicitado ao governo brasileiro que suspendesse imediatamente o processo de licenciamento e construção em razão do potencial prejuízo da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu.
No dia 1º de junho, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) concedeu a licença de instalação para a construção da usina à Norte Energia S. A., empresa responsável pela implantação do empreendimento. O órgão ambiental confirmou que as condicionantes exigidas para a concessão foram cumpridas.
Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, garantiu que a hidrelétrica de Belo Monte entrará em funcionamento em 2015.
Esta decisão, segundo a Anistia, “desafiou e desprezou” a indicação do CIDH de suspendê-la até que os direitos das comunidades indígenas locais estivessem “garantidos em sua totalidade”.
A Anistia reivindica que os índios tenham acesso às avaliações de impacto ambiental e social do projeto em suas línguas, além de medidas para proteção dos que vivem isolados.
“Por um triz”
Para o pesquisador Patrick Wilcken, a Anistia pede que os governos dos países da região parem de priorizar os projetos de desenvolvimento às custas dos direitos dos povos indígenas.
“Houve muitos avanços em termos do cumprimento de direitos dos indígenas no Brasil, no entanto, a discriminação, as incursões ilegais às terras indígenas e ameaças contra as lideranças persistem. A atual agenda de desenvolvimento do governo apresenta sérios desafios para os grupos indígenas em todo o Brasil. A demarcação de muitas terras ficou paralisada colocando em risco muitas comunidades indígenas, assim como os indicadores sociais e econômicos dos indígenas brasileiros na saúde e educação permanecem substancialmente baixos”, disse ao UOL Notícias.
Segundo o relatório, depois de séculos de abuso e discriminação, a sobrevivência física e cultural destas populações está “por um triz” por haver uma “vontade política insuficiente” de reconhecê-los, respeitá-los e protegê-los, “uma vez que estes direitos são vistos como obstáculos para o crescimento econômico”.
O avanço da soja, o gado, a madeira e empresas mineradoras na Amazônia são as principais ameaças, afirma Wilcken que cita o caso dos Guajajara no Maranhão, os Enawene Nawe no Mato Grosso e os Suruí em Rondônia que têm “sofrido intimidações e ameaças nas mãos de madeireiros e empresas mineradoras”.
Guaraní-kaiowá
Segundo a entidade, a situação é particularmente grave no Estado do Mato Grosso do Sul, onde vivem comunidades guarani-kaiowá que enfrentam “constantes perseguições de pistoleiros contratados por fazendeiros locais”.
No relatório, “apesar dos esforços de promotores públicos para avançar no processo de reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras tradicionais, o processo permanece paralisado”.
“Muitas das lideranças já foram assassinadas. Este talvez seja o caso mais sério em termos de violência sistemática contra os povos indígenas no Brasil hoje”, admite Wilcken.
O ativista critica que o direito constitucional destes povos às suas terras ancestrais está em perigo devido à “expansão das plantações de cana de açúcar para suprir o boom do etanol”.
Em setembro de 2009, 35 famílias de guarani-kaiowá da comunidade de Laranjeira Nanderu foram expulsas de suas terras tradicionais. A Polícia Federal, que supervisionou a expulsão, informou ao proprietário que a comunidade retornaria ao local para recolher os objetos que tiveram que deixar para trás. Porém, o proprietário incendiou as casas e todos os pertences dos moradores.
A partir de então, a comunidade passou a viver em tendas improvisadas à beira da rodovia BR-163, no Mato Grosso do Sul. A Anistia já denunciou as “deploráveis condições” em que se encontra esta comunidade que vive sob “ameaças e intimidações de seguranças armados contratados por fazendeiros locais”.
Cerca de 30 mil guarani-kaiowá vivem hoje no Estado do Mato Grosso do Sul. A Anistia alerta para as “grandes dificuldades econômicas e o deslocamento social das comunidades”, nas quais mais da metade dos jovens dessa etnia “se vê obrigada a percorrer distâncias longínquas dentro do Estado para trabalhar como cortadores de cana nas plantações, geralmente em condições severas e exploradoras”.
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