A cidade de São Paulo, esse grande formigueiro humano, de mais de 12 milhões de pessoas agitadas, será, nesta semana, um espaço de muita atenção e confiança dos Kaiowá Guarani. O reinício do julgamento dos assassinos do Cacique Marcos Veron, neste dia 21 de fevereiro, teve grande repercussão na mídia local e nacional. Trata-se de um acontecimento raro, pois poucos matadores de índios e, em especial dos Guarani, foram até hoje julgados. Outro fato que chama atenção é o deste julgamento ter sido deslocado de Dourados, no Mato Grosso do Sul, para São Paulo. Os Procuradores da República entenderam que naquela cidade poderia não haver a isenção necessária para o julgamento deste crime.
Quase quarenta Kaiowá Guarani vieram a São Paulo para acompanhar de perto e participar do julgamento. São testemunhas de acusação e a vizibilização dos atingidos por este crime. São a acusação de uma história de violências e impunidade sem precedentes na história recente do nosso país. Filhos, parentes e amigos de Marcos Veron e lutadores da justiça estarão nesse pequeno espaço próximo ao centro nervoso e econômico de São Paulo, a Avenida Paulista, nos próximos dias, clamando por justiça, fim da impunidade e reconhecimento das terras Kaiowá Garani, razão do assassinato do cacique Marcos.
Eles vêm de uma história marcada pelos massacres, violência, usurpação de suas terras, destruição das florestas e da natureza. Eles vêm da terra em que se exalta um tipo de progresso e desenvolvimento através do agronegócio, concentrador e excludente, da monocultura e dos transgênicos, do agrotóxico, de profundo impacto na natureza e poluição das águas e da terra. Eles vêm do território Guarani, dos índios sem terra, dos acampamentos e confinamentos deste povo. Eles vêm do sofrimento, da fome, da injustiça e da impunidade. Vêm apenas pedir justiça e, do alto de sua heróica resistência e dignidade, pedir punição.
No primeiro dia do julgamento, o tempo foi ocupado com a escolha dos sete jurados. Dentre os candidatos, a defesa dos réus vetou três mulheres, o que, para um dos antropólogos presentes, sinaliza o afastamento da sensibilidade maior das mulheres e os possíveis impactos de semelhante crime. Depois foram lidas as peças dos autos solicitadas pela acusação e a defesa, onde se explicitam os argumentos das partes, no assassinato.
Dentre os Kaiowá Guarani presentes no pequeno plenário, onde estavam umas 30 pessoas, estavam três filhas e sete netos do cacique assassinado. Ao ouvirem a leitura de depoimentos colhidos pela policia da região, permaneceram num indignado silêncio. Desabafaram depois de encerrada a sessão, antes das cinco horas da tarde, pela ausência dos testemunhas de acusação, que foram impedidos de embarcar no aeroporto de Dourados, sob a alegação de que, pintados e de cocares, não poderiam embarcar. Posteriormente se deslocaram até Campo Grande e daí a São Paulo. “Incrível como se montam mentiras e distorcem totalmente os acontecimentos para tentar encobrir um crime tão bárbaro como o assassinato de meu pai”, desabafou Valdelice.
Depois do encerramento dos trabalhos do julgamento neste primeiro dia, os Kaiowá Guarani fizeram um rápido ritual de agradecimento e pedido aos espíritos de seus antepassados para que os protejam, e iluminem os que vão julgar o assassinato, para que a paz e a justiça volte a reinar e suas terras sejam reconhecidas, devolvidas e respeitadas conforme as leis nacionais e internacionais.
Após o encerramento dos trabalhos, vieram para a aldeia Guarani Mbyá, no morro do Jaraguá, na periferia de São Paulo. Ali foram acolhidos com muito carinho pelos seus parentes, num gesto de solidariedade e apoio Guarani. Ali lhes ofereceram jantar e o espaço para descansar os corpos cansados depois de longas viagens, desde o Mato Grosso do Sul.
É um julgamento histórico para os Kaiowá Guarani e os povos indígenas do país. Este povo não aguenta mais tanta violência e impunidade.
Fonte: Egon Heck
Campanha Povo Guarani Grande Povo
Aldeia do Jaraguá, São Paulo, 21 de fevereiro de 2011.
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