sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
As contradições de um processo
Os trâmites para que Belo Monte saia do papel vem acompanhados de tantos vícios, que as notícias sobre os problemas que a usina carrega já nem parecem ser novidade
Após a invenção, na última semana, de mais um tipo de licença (a chamada “licença específica”) para que as obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte tenham início, a novidade da vez é que o próprio presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, não respeita os pareceres dos técnicos do órgão que preside.
Em ofício (Nº 013/2011/GAB-Funai) enviado ao presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Meira afirma que a Funai “não tem óbice para a Licença de Instalação (LI) das obras iniciais dos canteiros de obras da UHE Belo Monte”, ou seja, por parte do órgão indigenista, estava tudo certo. Tudo certo? Nem tanto.
No entanto, o ofício de Meira foi enviado seis dias após a Coordenação Geral de Gestão Ambiental e a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai terem emitido parecer, no dia 14 de janeiro, com diversos apontamentos negativos sobre o processo.
Com tal atitude, Meira demonstra mais uma vez ignorar os problemas que Belo Monte trará para a região, bem como se fazer de surdo diante do clamor das populações indígenas, ribeirinhas e camponesas que serão diretamente atingidas pela obra. Ao mesmo tempo, o próprio Ibama passa por cima do que havia declarado em dezembro do ano passado, quando listava uma série de exigências não cumpridas para o início da obra, entre elas obras de saneamento básico, saúde e construção de escolas nos municípios atingidos.
No parecer (Nº 22/CGGAM/10), os técnicos da Funai afirmam que diversos planos emergenciais previstos no Termo de Compromisso assinado entre a NESA e a Funai em setembro de 2010 não foram executados. As ações emergenciais deveriam abranger as áreas de proteção, segurança alimentar, etnodesenvolvimento e fortalecimento institucional da Funai na região. “As atividades de proteção estão atrasadas, tanto na construção das bases previstas no plano encaminhado pela Coordenação Geral de Monitoramento e Territorial (CGMT), quanto nas ações prioritárias”.
De que valem as condicionantes?
Como se agarrar a execução de condicionantes quando os próprios técnicos da Funai afirmam que as atividades previstas nos planos emergenciais têm causado ainda mais impactos na região? As dificuldades de interlocução com a Funai e os apregoados benefícios da obra, por exemplo, têm levado diversos indígenas a deixarem suas aldeias rumo a Altamira, gerando uma situação ainda mais nociva do que a que havia anteriormente.
Não se pode esquecer ainda de mais uma contradição do órgão indigenista, que em janeiro deste ano divulgou nota sobre a presença de indígenas isolados entre o próprio rio Xingu e o rio Bacajá, no Pará. De acordo com pesquisadores, a área, que tem acesso restrito a funcionários da Funai nos próximos dois anos, será diretamente atingida pela UHE Belo Monte.
A obra ainda atingirá a Terra Indígena Paquiçamba, que fica a apenas 10 quilômetros do local onde se pretende construir o canteiro de obras do Sítio Pimental, com 143 m2 e com previsão de uma subestação de energia. Para acesso ao canteiro será necessária a construção de uma estrada entre o local e a terra indígena. Ainda de acordo com o parecer, somente esta etapa da obra deverá mobilizar para a região cerca de cinco mil pessoas.
A construção de Belo Monte, além de impossibilitar práticas tradicionais, como a pesca, a caça e o artesanato, trará ainda um inchaço para a cidade de Altamira, o que poderá causar o aumento da criminalidade, a exploração da mão de obra e a disseminação de doenças. A própria história, antiga e recente, dos povos indígenas do país revela o que aconteceu ao longo do contato com os não indígenas. Diversos povos foram torturados e dizimados, outros tantos tiveram sua população reduzida devido a surtos de doenças como varíola, pneumonia e malária.
Por tudo isso e com base nas denuncias sobre as manobras autoritárias e ilegais do governo federal, da Funai e da Norte Energia, é preciso dizer NÃO a Belo Monte. Não tem como discutir impactos quando parte dos povos que vivem na região, como os Araweté, Apiterewa, Asurini, Xikrin, Kaiapó, Juruna, Xipaia, bem como os isolados ou de pouco contato, terão sua sobrevivência física e cultural ameaçada.
Fonte: CIMI
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