terça-feira, 20 de julho de 2010
E por falar em política, onde anda o Juruna?
A História do Brasil recente é muito curiosa. Personagens aparecem e desaparecem de acordo com os interesses da mídia e dos meios de comunicação. Um exemplo contundente é o ex-cacique e ex-deputado federal Mário Juruna.
"A política é podre" - foi esta a resposta que ouvi do ex-cacique xavante e ex-deputado federal Mário Juruna, 48 anos, em Brasília, ao perguntar-lhe como se sentia afastado do Congresso Nacional, após o término do mandato que conquistara nas urnas do Rio de Janeiro durante as eleições de 82. Para Juruna, que fala com uma certa indignação, a maneira do branco se salvar do sistema caótico que ele mesmo criou seria através de inspiração na estrutura de vida dos índios. "Aplicando a maneira do índio viver no meio civilizado, a vida do branco pode melhorar, pois ele vai deixar de tanta tristeza e maldade" - garante o ex-cacique.
Após o término do seu mandato na Câmara Federal, Juruna conseguiu uma vaga como contratado no Projeto Rondon, segundo ele "ganhando um salário de fome". Mesmo sem mandato, é comum encontrá-lo transitando pelos corredores e galerias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. "Sinto no direito de cobrar dos constituintes as dívidas para com os índios, já que não estou lá para defender eles" - afirma. Contudo, sua maneira de agir não começou durante a conquista do mandato. Ela vem desde 1945 quando sua tribo teve o primeiro contato com os brancos, através do sertanista Chico Meirelles que, depois de muitas lutas, afirmou: "Esses índios jamais abaixarão a cabeça". E a afirmação virou profecia, pois volta e meia os xavantes estão em Brasília reivindicando das autoridades o que de direito lhes pertence.
Mário Juruna diz que sempre foi muito aventureiro e corajoso. "Não tinha medo de nada" - ele afirma - "Só tive medo quando vi um homem branco pela primeira vez. Tinha 17 anos e nunca imaginava existir outra gente que não fosse índio. Fugi. Passei muito tempo escondido no mato, longe daquela gente estranha. Mas depois recuperei e ganhei força para lutar e defender o meu povo".
O primeiro encontro de Juruna com os brancos deu-se em Couto Magalhães, no Mato Grosso, acima do Rio das Mortes, onde ele nasceu. "Tivemos que mudar para outro lugar" - recorda - "isso para continuar vivo. Meu pai era cacique e falava: se branco vier atacar, foge, atravessa o Rio das Mortes e se defende do outro lado. Mesmo a gente fugindo, o branco transmitiu muitas doenças por nosso povo. Morreu muito índio de sarampo, gripe e coqueluche". Mas chegou o dia em que os xavantes não tinham mais para onde fugir e aí o jeito foi aceitar a "pacificação" do homem branco. Segundo Juruna, ele mesmo participou de muitas picadas na floresta, enfrentando bichos, chuva e sol, noite e dia, em busca de esconderijo. Seu pai sofreu muito e desta experiência o futuro cacique e deputado tirou proveito para não deixar extinguir a sua raça. Uma vez "pacificados", os xavantes tiveram que tolerar a doutrinação branca, a religião branca, os colégios brancos, na aldeia de São Marcos, "no colégio dos padres eu não suportei os castigos" - recorda-se Juruna. - "Nem meu pai nunca me deu castigo, por que os outros haviam de me castigar? Saí da tutela dos padres e fui trabalhar nas fazendas que se instalavam por lá".
"Fiquei de cabelo em pé quando vi o homem branco."
Contudo, ele afirma, o trabalho não era do meu agrado. Não da maneira como era imposto, pois "não passava de trabalho escravo". Assistia com revolta a invasão das terras xavantes, a derrubada de árvores e a chegada do gado bovino, bicho desconhecido para sua gente. Segundo Juruna, ele presenciou fatos tão violentos que demorou a entender o verdadeiro significado da palavra "civilizado". Segundo seu depoimento, "os fazendeiros matavam muitos bois e chamavam os índios para uma festa. A gente acreditava e, quando estava todo mundo reunido, comendo da carne, apareciam jagunços e atiravam na gente. Poucos de nós conseguiam fugir dessa emboscada". Revoltado com a situação, o jovem xavante voltou para sua aldeia com vontade de lutar contra os brancos.
"Os brancos infernizavam nossa vida" - dispara. - "E ensinavam que lutar não era coisa de Deus e que a missão do cristão é pensar no lado espiritual. Mas, para xavante, não vale só a prática espiritual. Os padres falavam que a terra por si só não dava salvação.
Mas, pra mim e pro meu povo, índio sem terra é índio sem vida". E foi assim que Juruna partiu para a cidade, pois "índio não pode viver como bicho no zoológico e nós lutamos para ficar lá, no mato, vivendo à nossa moda. Mas os civilizados infernizaram tanto que a saída oi viver entre eles. Fui aprendendo experiência de branco, vendo o jogo deles. Passei a visitar autoridades em Cuiabá, Goiânia e Brasília, mas só ouvi promessas. Aí comprei o gravador. Toda conversa eu gravava e, se não eram cumpridas as promessas, eu denunciava à imprensa. Foi assim que a causa do índio tornou-se presente na imprensa diária. Mas não adiantou muito, o que mais tem é autoridade sem palavra."
"Fomos obrigados a assimilar a cultura do branco: Futebol"
A iniciativa do cacique passou a incomodar as autoridades que passaram a evitá-lo. Contudo, a imprensa o apoiava e ele insistia: "Falou, tá gravado". E suas denúncias e reclamações extrapolaram as fronteiras nacionais e ecoaram pela imprensa internacional. Em 1979 ele foi proibido pelo governo ditatorial de representar as comunidades indígenas num congresso na Holanda. Ele recorda: "Advogados e deputados verificaram junto ao Supremo Tribunal Federal se havia lei impedindo saída de índio do país. O governo não encontrou meios legais de me proibir e eu fui à Holanda. Quando voltei, fui perseguido e a Funai conseguiu fazer documento onde mandaram meu povo assinar exigindo minha retirada da aldeia. Agora vê só o quanto é sujo esse modo dessas autoridades! O governo foi muito criticado lá fora, mas podia ter sido ainda mais, se eu soubesse melhor as coisas do branco. Naquela época eu conversava muito atrapalhado. Se fosse hoje, podia ter denunciado mais coisas".
Carreira Política
A volta da Europa valeu enorme publicidade, o que fez com que Juruna ficasse sob a mira dos políticos que desejavam convidá-lo para seus quadros de candidatos. O primeiro convite surgiu das fileiras do PMDB, através do deputado pelo Rio de Janeiro Modesto da Silveira. Ele o convidou para ser candidato a deputado federal e não faltou entusiasmo da parte do cacique, cujo posto estava já estava sendo ocupado pelo próprio irmão, na aldeia de São Marcos. Quando preparava-se para aceitar o convite do PMDB, um pastor de Barra do Garça virou-lhe a cabeça para o PDT de Leonel Brizola. "Sai candidato pelo PDT e me elegi" - ele recorda. - "Foi um marco na história do Brasil. Não prometi nada que não pudesse cumprir. Não prometi ponte, nem estrada, nem indústria e muito menos desenvolvimento nas cidades. Minha proposta era exclusivamente a defesa da causa dos direitos indígenas. Fiz denúncias na ONU e na Suíça, em 1984".
A atuação de Mário Juruna ma Câmara dos Deputados foi marcada por muitas controvérsias. Logo, logo confessou-se decepcionado com certas atitudes de muitos políticos que prometiam e nunca cumpriam, a exemplo das autoridades que conhecera quando era um simples cacique xavante. No momento, tem recebido convites para disputar o governo do Distrito Federal, por parte do senador Maurício Correia do PDT. Segundo ele, o próprio Brizola tem insistido para que ele tente a reeleição para a Câmara Federal pelo Rio de Janeiro. No entanto, insiste em salientar a sua decepção com os bastidores da política dos brancos: "Eu, como índio, defendo a sinceridade. Fui acreditar nos políticos e deu no que deu. Nunca esperava me ver nessa situação de amargura". Mas, uma coisa parece certa: Brizola não o decepcionou.
Interrogado sobre qual o político que poderia ser o próximo presidente da república, Juruna afirmou: "Quem pode fazer mudanças neste País é o Brizola. Ele está do lado do povo. Ele é homem de vida sofrida, tem passado de homem do campo. Com ele o País vai andar. O País hoje está parado. Congresso faz muito pouco e o Planalto faz menos ainda.Planalto só que ferrar o povo brasileiro. Autoridade não dá respeito e não pode cobrar moral".
Numa conversa de ping-pong, Juruna respondeu prontamente: Qual o por que da inflação?
Essa inflação é resultado de má administração (e reclamou do salário de Cz$ 59 mil que recebe do Projeto Rondon, dizendo que tem 4 filhos na escola, mais 3 ainda fora dela).
Você não pensa em voltar para a aldeia xavante?
Não. Já tenho minha vida aqui.
Por que a Funai dificulta a saída dos índios da aldeia?
Tem medo do índio denunciar, mostrar a situação em que eles estão passando. Funai não dá assistência.
Qual a diferença entre o Serviço de Proteção ao Índio, criado pelo Marechal Rondon, e a Funai?
O SPI sempre protegeu o índio. Era proibido matar índio, mexer em terra de índio. Depois de 1977, quando criou a Funai, tudo modificou. Piorou muito a situação do índio.
Por que você critica tanto o Romeu Juca Filho (então presidente da Funai)? Ele só quer explorar o índio. Está negociando madeira e minério das reservas sem nenhum direito para os índios. Arrumou prédio da Funai com tapetes bonitos e trouxe pistoleiros do batalhão de polícia do Recife para perseguir índio.
Se você fosse presidente da Funai, o que faria?
Problema do índio é fácil de resolver. Eu percorreria todo o Brasil, conhecendo terra dos índios. Onde não foi demarcado e onde não tem assistência, eu resolvia logo. Tirava os exploradores das reservas e fazia cumprir o Estatuto do Índio. Índio deve governar índio. E a Funai tem recursos suficientes, pois recebe ajuda do Banco Mundial da Vale do Rio Doce e recursos do governo, Mas tem muito branco mamando às custas dos índios.
Tentaram corromper você na política?
É. Teve aquela confusão do Paulo Maluf. Ele queria me dar ajuda para eu votar nele no colégio eleitoral. Mas, como modo de índio é diferente, não aceitei. Mas acabei também enganado votando em Tancredo Neves. Pensei que solução estava nele e no Sarney. Hoje a atitude do Maluf não serve de base diante de tanta corrupção cabeluda vista por aí... Índio não tá costumado com essas coisas.
Fonte: www.mariojuruna.org.br
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