Aldeia Guarani, desocupada recentemente por ordem judicial, foi queimada na madrugada do dia 15.09 em Rio Brilhante, MS.
O dia amanheceu cinzento. Talvez pelas cinzas dos casebres de sape e das memórias dos índios Guarani e Kaiowá da Laranjeira Ñanderu de Rio Brilhante, MS. O extermíndio continua. Diante da situação atual de Mato Grosso do Sul frente às demarcações de terras indígenas, tocar fogo na casa dos outros é literalmente um refresco ou um pseudo-alívio.
Há quase dois anos os indígenas Guarani e Kaiowá homens, mulheres, crianças e idosos oriundos da região retornaram na busca de seu Tekoha (Território Tradicional). Nas imediações do município de Rio Brilhante, encontraram um pouco do que restou de mata e dos rios e muito de sua história.
Para a preservação e conservação dos recursos naturais é interessante que as comunidades tradicionais continuem nas áreas de reserva verde posto que a afinação desses povos com a natureza é reconhecida e por não se tratar de comunidades ocidentais que estão submetidas ao sistema capitalista, o consumo fútil, supérfluo, evitável, passa bem longe. Portanto, o respeito ao meio ambiente era garantido.
Enfim, no dia 11 de setembro de 2009, os índios deixaram as suas casas de sapé, os seus animais, muitos de seus pertences, de suas lembranças e de suas histórias vivenciadas para o lado de dentro da porteira do Português. Mas nesse mesmo dia, foi verbalizado um acordo entre as lideranças , a comunidade da Laranjeira Ñanderu e a Polícia Federal de que como os indígenas havia cumprido com a lei, de boa fé, dentro do prazo, eles teriam um prazo ampliado para retirarem as estruturas de suas casas. Madeira e Sape. E a garantia de que elas permaneceriam lá.
Esse poderia ter sido um recomeço. Certo que “trocaram” a mata pela estridente rodovia que beira o acampamento dos Guarani e Kaiowá, mas poderiam em vez de barracas de lona, manterem suas casas de sapé; poderiam ter onde rezar e onde se reunir. Poderia ter sido um – outro – recomeço, mas não foi.
Os atuais proprietários da fazenda onde os indígenas moram na frente afirmaram desconhecer tal acordo, e portanto, como a justiça estava ao lado deles, queimaram as casas que estavam levantadas da porteira para dentro. Ah, como estava dizendo, eles queimaram as casas que estavam dentro da mata (20% de Reserva Legal?), perto do rio (Que feio!). Tudo isso, e além de tudo, na era do aquecimento global.
Mas nem precisa ir tão longe. Aquela área construída pelas mãos de índios e índias, onde as rezas ecoaram céu afora, no estado das pré-coisas, está queimada. Destruídas por uma máquina e queimada por seres humanos. E assistida, de fora, por outros seres humanos.
Estes outros, claro, são os Guarani. Eles assistiram do lado de lá da cerca, da beira da rodovia as suas casas serem queimadas. Os restos materiais de sua estadia ali e todos os seus bens simbólicos. Todos os momentos de alegria, de tristeza, de união, de luta. Tudo queimado. Imagine se fosse você, caro leitor, que vivenciasse os seus sonhos por meio das chamas. Que observasse a sua vida tilintar nas labaredas da ganância. Deve ser muito doloroso.
É no meio de tanta dor, medo, desespero que o Grande Povo resiste. É da dor que eles tiram força para continuar, para não desistir, para seguir em frente na busca de um mundo real onde o direito a diferença dentro da igualdade seja respeitado. É frente a tantos fantasmas que insistem e retornam, ao repeteco de cenas já vistas antes que os Guarani resistem. Quantos ainda terão que sofrer, morrer para que a justiça seja feita? Até quando tanta impunidade?
Canta Guarani que seu canto será ouvido. Chega de ignorar os direitos humanos. Demarcações Já!
Por Lauriene Seraguza
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